Para explicar como cultivamos as batatas, primeiro temos de falar das nossas cabras.
Plantamos as batatas em socalcos, onde as cabras pastam durante o resto do ano.
Para elas pastarem semeamos centeio em Setembro, que cresce bem durante o frio do Inverno.
Para fazer a cama das cabras, vamos a pé colher manualmente arbustos lenhosos, que regeneram rapidamente,
como urzes, carquejas, giestas e sorgaços das encostas da serra
(por onde os incêndios passaram em 1988 e 2005).
Muitas vezes transportamos estes molhos de vegetação sobre os nossos ombros e em carrinho de mão até ao curral.
A cama das cabras, que atinge por vezes 1 metro de profundidade, gera fermentação e calor, que as aquece no Inverno.
com "garranchos".
A cava manual traz para a zona superficial uma camada de terra
que contém o resultado da decomposição do estrume enterrado no ano anterior.
Nessa camada superficial abrimos valas onde semeamos as batatas.
Entre cada duas sementes, afastadas uns 30 cm,
colocamos um punhado de cinzas da lareira (onde cozinhamos e onde também fazemos carvão)
e um punhado de composto.
Este composto forma-se e acumula-se naturalmente no fundo do curral das cabras,
vamos guardando durante meses e levamos em sacos.
Logo que as batatas lançam as primeiras folhas,
e porque os socalcos têm declive acentuado,
colocamos entre as batateiras agulhas dos pinheiros, ou outra vegetação fácil de manusear,
com a função de empalhamento,
para abrandar o fluxo e facilitar a infiltração da água durante a rega por inundação,
para evitar a evaporação e a germinação de ervas daninhas.
A primeira rega por inundação, chama-se "enleirar" e é feita em equipa.
Calcamos com os pés o empalhamento, para o "ligar" ao solo solto em declive.
Como os nossos solos são pouco profundos e
perdem muito rapidamente a humidade natural acumulada no Inverno,
no início do Verão a rega por inundação começa em força.
A partir daqui as regas são feitas uma vez por semana,
pois a água das nascentes é partilhada entre os vizinhos com esta regularidade.
Passados 3 ou 4 meses, as batatas são desenterradas com os "garranchos"
e apanhadas à mão.
Este processo de cultivo "à antiga" contribui para:
- manutenção da biodiversidade (cabras e ovelhas na serra);
- controlo da vegetação selvagem e incêndios menos intensos e de mais fácil combate;
- enriquecimento dos solos com matéria orgânica, que facilita a infiltração da água da chuva no lençol freático, prevenindo inundações;
- produção de alimentos ricos em nutrientes e minerais que mantêm o estado de saúde;
- exercício físico regular para avós, pais e netos;
- trabalho em equipa, onde participam famílias, vizinhos e amigos;
- soberania alimentar, o exercício do direito de escolhermos e assegurarmos a nossa alimentação;
- deixar os solos de cultivo livres de tóxicos para as próximas gerações.
Portanto, comer as nossas batatas não só nos faz bem à saúde,
como está a contribuir para um sistema integrado com múltiplos efeitos benéficos.
Esta é, para nós, a lógica da permacultura aplicada em terras marginais de montanha.
Permite-nos manter indefinidamente "uma horta na lua",
isto é, cultivar, geração após geração, num território pouco favorável à agricultura.
Podemos ir embora, mas foi aqui que nascemos.
João Gonçalves, Chão Sobral, Setembro 2016